Como o Pé-de-Meia afeta o estudante?

Programa busca evitar a evasão escolar; especialistas apontam que dinheiro dado aos alunos pode diminuir a desigualdade e complementar a renda familiar.

Este ano, foi implantado o programa de incentivo financeiro-educacional Pé-de-Meia. Destinado aos estudantes do Ensino Médio registrados no Cadastro Único (CadÚnico), a proposta tem como intuito promover a permanência do jovem na escola, reduzir a desigualdade social e promover a inclusão educacional.

O programa contempla alunos de idade entre 14 e 24 anos que estejam matriculados no Ensino Médio regular ou na modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA). O jovem beneficiado pode receber o total de R$ 9,2 mil até a formação do Ensino Médio, caso atenda a requisitos determinados: matrícula, frequência, conclusão do curso e o bônus de 200 reais àqueles que realizarem o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

A proposta do Pé-de-Meia trabalha no processo de abandono e evasão escolar. O ato do jovem não comparecer mais às aulas, ainda que matriculado, caracteriza o abandono, enquanto a evasão ocorre quando a matrícula não é efetuada. Assim, o benefício estimula o aluno a permanecer no ambiente escolar e a utilizar o dinheiro recebido como auxílio nesse processo.

Porém, a maneira de que o benefício é usado depende ainda da realidade e dos planos de cada estudante que o recebe. Como a intenção do Pé-de-Meia é ser alternativa que mantenha o jovem na escola, parte do dinheiro é entregue mensalmente e outra só pode ser retirada quando ele se forma.

O valor mensal de R$ 200 serve como alternativa de complemento à renda familiar, na compra de alguns materiais ou para ser guardado em planos futuros. Em entrevista à Jornalismo Júnior, Alessandro de Melo, professor de História e Políticas Educacionais na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), comenta que é natural que parte do dinheiro integre a renda da casa. “A manutenção do jovem no Ensino Médio não é apenas uma questão pessoal, depende do arcabouço familiar que ele tem”, finaliza.

Assim, apesar de ser um programa que existe para minimizar o aspecto econômico da evasão, ele não substitui a necessidade de quem deixa de ir à escola para trabalhar. “Aquele aluno trabalhador não vai abandonar o emprego para se manter apenas com R$ 200 mensais”, expressa a pedagoga Juliane Aparecida Zambão Ignacio.

Ainda há outros alunos que têm o Pé-de-Meia como forma de planejarem a continuidade dos estudos, como Bruno Lessa. Ele compartilha que busca fazer um intercâmbio ou faculdade quando terminar o Ensino Médio. “Eu já tinha esses planos, mas o programa me deu uma visão melhor [sobre] e realmente vai me ajudar.” 

Em outros casos, o benefício ainda serve para completar qualquer necessidade durante o período na escola. O estudante Kauã Carlos Bezerra comenta que o dinheiro ajuda a comprar itens que a escola não fornece, como corretivo. “O valor pode ser usado principalmente no final do ano, que é quando os materiais estão acabando.”

Fruto de desigualdade

No Censo Escolar de 2023, o Ensino Médio apresentou taxa de evasão de 5,9%. O processo de sair da escola é causado por fatores internos e externos. Os internos correspondem a características dentro do ambiente escolar, como a relação dos professores com os alunos, o conteúdo abordado nas aulas e a infraestrutura da instituição. Já os externos estão atrelados a necessidade de trabalhar, distância da escola, gravidez e questões raciais.

No caso do programa Pé-de-Meia, a análise está no aspecto socioeconômico da evasão, visto que ela afeta principalmente pessoas em situação de vulnerabilidade. Segundo dados do IBGE de 2023, 41,7% dos jovens de 14 a 29 anos abandonaram ou nunca frequentaram a escola devido à necessidade de trabalhar, um número ainda maior entre negros e mulheres. “O Pé-de-Meia abrange um foco, o que dá uma certa garantia para os estudantes da escola pública”, comenta Alessandro.

Menino em sala de aula coloca a mão na cabeça pensativo
O aluno demonstra interesse em evadir antes de o fazer por meio de faltas e perda de interesse nas aulas [Imagem: Reprodução/Freepik]

Jovens que evadiram da escola podem sofrer consequências na vida adulta, como dificuldades na procura de um emprego ou no recebimento de salários dignos. Assim, a intenção do Pé-de-Meia é garantir que o estudante, ao completar a fase de ensino básico, realize a transição para um futuro em que seja menos prejudicado. 

José Adelmo Menezes de Oliveira, professor de Políticas e Gestão Escolar no Instituto Federal de Sergipe (IFS), comenta que, quem evade, o faz devido a uma motivação e entende os impactos que a ação gera. Ele completa que “a evasão é fruto de uma desigualdade que gera desigualdade”. 

Fatores adicionais 

Segundo especialistas, a quantia recebida pelo aluno inscrito no Pé-de-Meia não substitui a necessidade de ele trabalhar, porém serve como ajuda. “O que o Pé-de-Meia vem fazer é prestar esse tipo de contribuição”, comenta José. Bruno também completa que o dinheiro recebido serve para auxiliar no orçamento familiar. “Às vezes, os pais não têm uma renda grande, e esse benefício ajuda a pagar uma conta ou comprar uma roupa que o aluno precisa”, opina.

Ainda que o programa forneça o estímulo financeiro ao jovem, sua parte central é garantir a presença dele na escola. Alessandro frisa esse aspecto ao considerar que a própria convivência na escola pode gerar efeitos no estudante ao pensar sobre planos de continuidade dos estudos.

Porém, ao considerar que a evasão também é motivada por fatores internos da própria escola, medidas precisam ser trabalhadas pela instituição para evitar a saída de alunos. A relação entre os professores, as condições de alimentação da escola, o currículo aplicado e o estímulo ao desempenho do aluno são alguns desses fatores. Kauã comenta que sente a ausência de diálogo entre os professores e os alunos, alegando que “são tratados como robôs que não podem fazer nada”. Ele ainda desabafa sobre a carga horária do almoço que é curta, o que o faz se apressar em comer.

O pagamento do Pé-de-Meia também abre discussão a respeito da responsabilidade financeira dos alunos que recebem o benefício. Segundo pesquisa da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), 47% dos jovens entre 18 e 24 anos não realizam controle de suas finanças. Como o programa não determina a maneira do jovem aprender a organizar o dinheiro que recebe, esse valor pode ser usado para despesas além da sua educação.

A ausência de aulas de ensino financeiro reforça essa dificuldade, ainda que a matéria esteja incluída no novo modelo do Ensino Médio. “O Novo Ensino Médio trata a questão financeira mais num aspecto individualista, de empreendedor”, opina Alessandro. Ele ressalta que deve haver um estímulo de educação sobre a responsabilidade desse dinheiro.

Como o Pé-de-Meia funciona

Os valores destinados aos estudantes beneficiados são depositados na Caixa Econômica Federal, em uma poupança sob o nome do próprio aluno. Para o jovem receber o Pé-de-Meia, ele precisa estudar em escola pública e ser beneficiário do CadÚnico.

A partir da comprovação de matrícula e da frequência na escola, o jovem recebe uma quantia de R$ 200 mensais. Caso esteja matriculado na modalidade EJA, o valor é de R$ 200 pela matrícula e R$ 225 pela frequência. Ao final de cada ano, o estudante recebe um depósito de mil reais em sua conta, valor que só pode ser retirado ao final do Ensino Médio. O aluno ainda tem a possibilidade de receber um bônus de R$ 200 caso se inscreva no Enem e compareça aos dois dias de prova.

calendário de pagamentos em 2024 conta com oito parcelas distribuídas ao longo do ano. As datas de saque variam de acordo com a modalidade do Ensino Médio e a data de registro da família no CadÚnico. Aqueles inscritos no CadÚnico ou no EJA até 15 de julho de 2024 têm direito a apenas quatro parcelas.t

Autora: Ana Santos.

Fonte: Jornalismo Júnior/USP.