A visão de Bong Joon-ho traz uma perspectiva divertida e ácida sobre a ficção científica quando combinada com outros gêneros cinematográficos.
Estreiou em março deste anos, o novo filme de ficção científica estrelado por Robert Pattinson e dirigido e roteirizado por Bong Joon-ho: Mickey 17 (2025). A trama é uma adaptação da obra literária Mickey 7, escrita por Ashton Edward, que segue a história de Mickey Barnes, um jovem que, para fugir da perseguição de agiotas, aceita participar de uma missão espacial inédita e com uma função ainda mais inusitada — ser um funcionário “descartável”, cujas memórias são restauradas em um novo ser a cada vez que morre.
Ambientado em um futuro distópico em que uma tripulação espacial busca colonizar o planeta Niflheim, o “descartável” Mickey é exposto a diversos experimentos para “salvar a humanidade”, mas que o levam repetidamente à morte. Com uma premissa que mistura ficção científica, romance e toques de humor sombrio, a trama promete uma grande reviravolta a partir de um momento no qual um novo clone, Mickey 18, é criado, embora a versão atual do protagonista continue viva.
Antes mesmo da estreia, o filme já vinha chamando a atenção da mídia por ser o primeiro trabalho de Bong Joon-ho desde Parasita (Parasite, 2019), filme que conquistou grande reconhecimento internacional e chegou a levar Melhor Filme no Oscar de 2019. Além de Pattinson, o elenco do filme também conta com grandes nomes, como Steven Yeun, Naomi Ackie, Toni Collette e Mark Ruffalo, o que contribuiu para sua popularidade. E, com um elenco de peso, um bom filme era o mínimo esperado.

De forma geral, a experiência de Mickey 17, acima de tudo, foi feita para divertir o público. O humor ácido, em sua maioria inserido nas grandes sátiras que o filme propõe, conduz a história para gerar reflexões e risadas além do panorama científico.
As críticas políticas, religiosas e éticas são tão contundentes que o foco do filme se distancia da ciência e das implicações que essa poderia ter — o que não é ruim, mas traz uma nova perspectiva sobre a abordagem do gênero sci-fi (sigla em inglês para ficção científica).
A impressão que se tem é que o diretor não quis adaptar apenas “mais uma história de ficção científica”, mas trazer um peso sentimental e identificável a ela. As histórias que se desenvolvem paralelamente aos experimentos, seja acerca das atribuições políticas ou o envolvimento romântico entre dois personagens (e cópias), falam muito mais sobre a moral de Mickey 17 do que a ficção interfere no seu andamento. E mesmo que a contextualização espacial e das criaturas seja bem introduzida na trama, a verdadeira marca que Bong Joon-ho deixa no filme ainda é política.
Nos aspectos técnicos, a classificação de blockbuster que o filme recebe reflete na tela. Com um orçamento de U$ 118 milhões de dólares, a produção não poupa esforços nos efeitos visuais, que são extremamente bem feitos e realistas, e no design de produção, contribuindo para a imersão do público no contexto futurístico da obra.
A fotografia e a trilha sonora se apresentam bem consistentes e entregam bons resultados, enquanto a edição cresce em seus méritos pela presença simultânea de diversos elementos em um único frame. O único aspecto que talvez caia na crítica é o roteiro. Mesmo que adaptado, a trama assinada por Bong Joon-ho é feita no modelo tradicional de blockbuster e, para conseguir entregar uma história concisa, acaba caindo em clichês e perde a oportunidade de desenvolver subtramas com dilemas morais e científicos, como a própria discussão de clonagem humana.

Além de seus efeitos visuais, outro grande mérito do filme vai para a performance dos atores. Robert Pattinson, que dá a vida as 18 diferentes versões de Mickey, brilha trazendo nuances distintas para cada nova vida do seu personagem. O ator cria microexpressões, postura e até vozes diferentes para Mickey 17 e 18, o que demonstra seu ótimo empenho em entender como as memórias afetam cada versão do protagonista.
Steven Yeun, como o melhor amigo trapaceiro de Mickey, e Naomi Ackie, interesse amoroso do protagonista, também são ótimos em seus papéis, mas, o verdadeiro destaque vai para a dupla de vilões. Toni Collette e Mark Ruffalo criam personas tão desprezíveis que é impossível não compará-los com versões caricatas de figuras políticas reais e comparar ainda mais a situação da trama com o cenário do mundo atual.
As tramas e implicações são diretamente trazidas do mundo real para ficção, como uma maneira de fazer o público enxergar a crítica política do filme através de uma olhar comicamente sombrio. Fica evidente que Bong Joon-ho soube aproveitar o espaço que ganhou e tornou seu aspecto crítico ainda mais universal para o público. Mesmo que a ficção científica perca um pouco do espaço que deveria ter, Mickey 17 vai muito além do gênero para trazer um bom filme.
Autora: Clara Viterbo Nery.
Fonte: Jornalismo Júnior/USP.
