No olho do tornado: a busca por adrenalina 

Porque temos o fascínio em praticar atividades de alto risco?

Em julho de 2024, Twisters chegou às telonas e chamou atenção do público, principalmente da geração Z. O filme é um remake do clássico Twister, de 1996, e acompanha a meteorologista Kate Cooper (Daisy Edgar-Jones) e o caçador de tornados Tyler Owens (Glen Powell) nas planícies de Oklahoma (EUA). Enquanto Kate e sua equipe de cientistas querem testar um novo sistema de rastreamento, Tyler e seus amigos transmitem ao vivo na internet a sensação de estar dentro de um tornado. 

Seja em nome da ciência ou dos likes nas redes sociais, tanto Kate quanto Tyler praticam uma atividade de extremo risco e até fatal: caçar tornados. No início do longa, o namorado e alguns colegas de Kate morrem enquanto rastreavam um tornado de classificação F5. A escala Fujita, que mede a intensidade desses fenômenos com base na velocidade dos ventos e na destruição causada, vai de F1 a F5, sendo a última a mais perigosa. 

capa do filmes twisters com tornados
Pôsteres dos filmes de 1996 e de 2024, respectivamente. Apesar de ambas versões tratarem da mesma temática e de terem sido produzidas por Steven Spielberg, a mais recente tem uma trama e personagens diferentes, ou seja, não é uma continuação [Imagens: Divulgação/Warner Bros e Universal Studios]

Quando sirenes meteorológicas disparam avisando a chegada de possíveis desastres naturais, o comportamento mais comum é fugir do local que será afetado e procurar um abrigo seguro. Então porque existem pessoas que colocam suas vidas em risco e vão em direção aos tornados?

Da ficção à vida real

Augusto José Pereira Filho, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, cursou seu doutorado na Universidade de Oklahoma há cerca de 30 anos, na época em que o primeiro Twister foi gravado. Em entrevista a Jornalismo Júnior, Augusto relembra o contato direto que teve com essa realidade: “já havia um grupo de estudantes e docentes chamado de caçadores de tornados”. 

Segundo o professor, esses grupos estão localizados em universidades e centros de pesquisa, principalmente em locais com alta incidência desses fenômenos, como o estado de Oklahoma. Ele explica que os tornados são formados em terra quando o ar frio e seco colide com o ar quente e úmido, sendo que alguns locais são mais propensos a essas condições climáticas. O “corredor de tornados”, nos EUA, encontra-se em uma latitude média, onde recebe ar quente e úmido vindo do Golfo do México, ar frio que vem do Canadá pelas Grandes Planícies e ar seco das Montanhas Rochosas. É a combinação ideal para que um tornado surja. 

Augusto explica que esses grupos são compostos por cientistas de diversas áreas, como meteorologistas,engenheiros e também por fotógrafos. Eles têm como objetivo coletar o máximo de dados possíveis sobre os fenômenos climáticos, para que seja possível estudá-los e, assim, melhorar as previsões para tentar amenizar a destruição que eles podem causar. 

Para isso, na década de 1970, os pesquisadores do Laboratório Nacional de Tempestades Severas, um grupo da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA) dos EUA,  desenvolveram um dispositivo chamado Dorothy, que aparece em ambos os filmes Twisters. O nome é uma referência a história de O Mágico de Oz, quando a personagem é transportada para o fantástico mundo de Oz por meio de um tornado que atinge sua casa no estado  do Kansas. 

Dorothy é uma espécie de barril que contém centenas de sensores capazes de coletar informações de tempestades e, para isso, precisa ser lançado de dentro delas. Por essa razão, o sistema nunca foi bem sucedido, já que haviam inúmeros riscos e dificuldades, levando à inutilização desse dispositivo ainda em 1987. 

estúdios que produzem filmes que simulam tornados
Hoje, os dispositivos Dorothy, que foram emprestados para a Warner Bros e Universal Studios para a produção dos filmes, estão expostos no Centro Nacional do Clima, em Oklahoma [Imagem: Reprodução/Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA]

O professor Augusto ainda afirma que, apesar dos dispositivos Dorothy que aparecem nos filmes realmente terem sido utilizados, é preciso destacar que nem sempre a arte imita a vida. [Spoilers] No final de Twisters, Kate e Tyler desenvolvem uma tecnologia capaz de destruir um tornado: um produto químico que, quando lançado no olho da tempestade, consegue absorver sua energia até sobrar apenas precipitação, isto é, chuva. O doutor em meteorologia refuta essa possibilidade: “a energia é maior do que a de uma bomba atômica, não tem como dissipar”. Segundo especialistas, o tornado F5 que atingiu Oklahoma em 2013 liberou pelo menos 8 vezes mais energia do que a Little Boy, bomba atômica que devastou Hiroshima em 1945. 

Além dos cientistas, hoje existe o “turismo de tempestades”. Com o grande sucesso dos filmes sobre caçadores de tornados, agências de turismo se instalaram em locais com alta incidência desses fenômenos climáticos e realizam excursões nas quais levam seus clientes próximos às tempestades. De acordo com o professor, existem alguns motivos para essas atividades: a ciência, o dinheiro ou a adrenalina de “desafiar a natureza”. 

observação da formação de um tornado
Grupo de cientistas do Laboratório Nacional de Tempestades Severas observando a formação de um tornado no Kansas, um dos estados norte-americanos que forma o “corredor de tornados” [Imagem: Reprodução/Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA]

‘Eu sou viciado em adrenalina’

O instrutor de paraquedismo Eduardo Medina, de 37 anos, admite ser como os caçadores de tornados: está sempre buscando atividades cada vez mais perigosas. Além de sua profissão, Medina é mergulhador, pratica motocrossciclismo downhill e base jumping, uma modalidade do paraquedismo na qual o salto é feito a partir de grandes altitudes, como montanhas, antenas e pontes. 

Os adjetivos usados por Medina para descrever a prática desses esportes são “extremamente prazerosa e inexplicável”. Para ele, ainda há outro fator que contribui para seu desejo constante em realizá-los: a ideia de controle. Medina explica que, especialmente no paraquedismo, conseguir trabalhar com o vento, controlar o tempo e fazer manobras promove uma sensação, em suas palavras, “surreal”. 

“Eu sou um viciado em adrenalina. Se eu falar outra coisa é mentira. Eu gosto de me jogar das coisas, de sentir o vento na cara”

Eduardo Medina

homem saltando
Além de acompanhar seus clientes durante os saltos, Medina também trabalha filmando e fotografando o momento [Imagem: Acervo pessoal/Eduardo Medina]

A comunidade científica, entretanto, evita o uso do termo ‘vício’ e, devido ao estigma associado a ele, recomenda-se falar em ‘dependência’. Mas, é possível  tornar-se dependente de adrenalina? Para a doutora em farmacologia pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, Amanda Sales, a resposta é sim: “é possível desenvolver uma compulsão por atividades que aumentam a liberação de adrenalina e outras substâncias no cérebro”. 

Essa dependência, entretanto, não é química, e sim psicológica. Amanda comenta que, diferente da dependência química, caracterizada pelo uso compulsivo de substâncias que alteram a função cerebral, a psicológica é desencadeada pela euforia que motiva a repetição do comportamento e, por isso, não apresenta os mesmos efeitos colaterais típicos da adição química. 

A sensação eufórica descrita por Medina pode ser explicada, segundo a farmacologista, por um conjunto de fatores psicológicos e fisiológicos. “Realizar um grande desafio gera um sentimento de conquista, o que contribui para essa sensação de euforia.” Outro aspecto é a liberação, além de adrenalina, de endorfinas relacionadas ao bem estar e de dopamina, que ativa o sistema de recompensa do cérebro.

A recompensa do risco 

O mecanismo conhecido como “sistema de recompensa” é uma complexa rede cerebral relacionada com a sensação de prazer, a regulação de humor, o aprendizado e a tomada de decisões. Ele envolve três diferentes regiões do cérebro: o córtex pré-frontal (ou lóbulo frontal), o núcleo accumbens e a área tegmental ventral. 

A farmacologista explica que, quando uma pessoa realiza alguma atividade que gosta — como, no caso de Medina e dos caçadores de tornados, aquelas que são perigosas e liberam muita adrenalina — a área tegmental ventral libera um neurotransmissor chamado dopamina. Quando essa substância chega no núcleo accumbens, é gerada uma sensação de prazer. O córtex pré-frontal, por sua vez, entende essa sensação de satisfação como um reforço positivo, isto é, uma maior tendência da pessoa repetir tal comportamento em busca dessa recompensa. 

Núcleo accumbens do cérebro
O núcleo accumbens é popularmente conhecido como o “centro do prazer” do cérebro [Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons]

Apesar do padrão de busca por atividades de alto risco não ser uma dependência química, os caçadores de tornados, os turistas de tempestades e os paraquedistas, dentre tantos outros aventureiros, precisam ser cautelosos. Isso porque a dependência psicológica também pode ter consequências negativas geradas pela liberação de adrenalina e dopamina em excesso. 

A adrenalina é um hormônio produzido pelas glândulas adrenais e é fundamental para a sobrevivência humana, já que atua como um neurotransmissor cuja função é preparar o corpo para situações de perigo. Uma vez liberada na corrente sanguínea, essa substância atinge diferentes receptores, o que desencadeia diferentes respostas fisiológicas, como aumento dos batimentos cardíacos e da pressão arterial. Essas reações, quando ocorrem com frequência, podem agravar ou propiciar doenças cardiovasculares

Amanda também afirma que a prática repetida dessas ações pode causar alterações cerebrais que deixem o sistema de recompensa menos suscetível a estímulos, “fazendo com que o indivíduo busque atividades cada vez mais intensas para obter o mesmo nível de satisfação”. De acordo com a doutora, essa busca constante pode aumentar os níveis de ansiedade e estresse, que, por sua vez, geram comportamentos impulsivos, comprometem o sistema imunológico, proporcionam quadros de exaustão física e mental e podem levar a doenças psiquiátricas, como a depressão. 

“É essencial encontrar um equilíbrio nas atividades emocionantes para evitar os efeitos negativos associados a esse tipo de busca”

Amanda Sales

*Imagem de capa: Pxhere

Autora: Maria Eduarda Lameza.

Fonte: Jornalismo Júnior/USP.